Comportamento



Wanessa Yano ︎
 Gabriela Campos︎


Imagem:   

© Local_doctor / Adobe Stock

Quem é essa atriz?




Quantos seguidores valida o seu autoreconhecimento?



Ultimamente a nossa atenção pra tudo ta meio bugada, diretamente afetada fazendo com que se torne um recurso um tanto quanto escasso. Luxo é ter memória. O fato é que somos diariamente bombardeados com milhares de informações e muitas delas produzidas por famosos, celebridades, sub-celebridades, influencers [ou tanto faz]. Novas síndromes foram desencadeadas, como o constante medo de ficar de fora do que está rolando como a FOMO ou fear of missing out.

Poderíamos encarar a necessidade desenfreada de ser lembrado na era da atenção [ou da falta dela], enquanto uma das consequências sociais da "pós-modernidade". Entretanto, durante a Renascença europeia, entre o séc XV e XVI, com o abalo do sistema feudal, a burguesia passou articular a economia, os mercados e, logo, os valores estéticos e imaginários, resultando na necessidade ostentar o seu modo de vida, o "bon vivant" em diversas aparições públicas para reafirmar sua capacidade de influência e sucesso enquanto poder. Estabelecendo a nobreza enquanto força determinante do lifestyle a ser reproduzido pelos demais, alimentando o desejo de destaque social.

Entre os séc. XVI — XVIII surgem as primeiras socialites [ai, que loucura, ai, que badalo]. Essas que, inicialmente faziam parte da aristocracia como mulheres da nobreza, articulavam-se organizando eventos sociais para a elite. Já no séc. XIX Louis Keller, desenvolveu o  Social Register, um catálogo que reunia o contato das pessoas mais influentes de Nova York, que incluía o contato dos herdeiros aristocratas. Posteriormente, o catálogo foi comprado por Malcolm Forbes, [é, daquela revista] que segue adorando fazer listas das pessoas mais milionárias e  influentes no mundo.

Nesse sentido, o período que ficou marcado pela associação direta de fama a quem possuía dinheiro, na verdade se consolidou enquanto marco dessa virada de chave social que perdura e esse processo segue majoritariamente documentado em jornais, revistas ou pelo jornalismo de celebridades. Já nos 00's, o boom de programas como Amaury Júnior, os talk-shows como os apresentados por Jô Soares e Jimmy Fallon, atuavam como diretriz essencial para quem queria ser famoso perante a euforia causada por 15 minutos na TV. Mas e se as pessoas realmente quisessem nos conhecer por inteiro, para além de perguntas pré-estabelecidas que forçaram um certo nível de intimidade, a ponto de assistir o que vivemos 24hrs por dia? Esse desejo especulativo, quase que voyeurista, foi alimentando o grande boom dos reality shows [paramos em qual edição do Keep Up With the Kardashians mesmo?]


"You want to move to Calabasas but it's too expensive" - Wale



Com a chegada das redes sociais, as pessoas passaram a gerenciar suas próprias carreiras, deixando [ou tentando deixar] suas marcas no mundo. Mas isso não significa que as relações sociais/afetivas não fossem um motor substancial para alavancar a percepção de poder de alguém: alguém lembra do Ray J? Conhece talvez a teoria conspiracional da Maldição das Kardashians? Ou então já ouviu falar do namorado da mãe do Neymar? A associação, que não necessariamente é pautada pelo interesse, se desdobra na correlação midiática entre estar, viver e não forçosamente ser: Julia Fox que o diga. 

E logo, não é mais o dinheiro que faz a fama, mas a fama que traz o dinheiro, e como a atenção humana se tornou a moeda mais poderosa do mercado, a forma que nos posicionamos nas redes sociais mudou sendo massificante, tornando a nossa imagem e as consequências dela, em produto. Fazendo com que as nossas capacidades sejam mensuradas pela quantidade de seguidores, ou pelo engajamento. O que parece tão acelerado agora, é apenas consequência do poder de influência que já ocorria antes, e depois na internet através de redes como o myspace, orkut, blog, fotolog, flickr.. [os emos no Tumblr? sdds]

Me diga quais publis fazes e eu te direi quem és



Do famous for being famous [famosos, só por serem famosos], quem é essa atriz? A hiper aceleração tecnológica do entretenimento fez da obsessão pela fama um produto a ser barganhado, onde se estabelece o poderio também através da associação de marcas à essas imagens [e o mercado publicitário que o diga]. O sucesso financeiro, visibilidade e relevância vão além da capacidade comunicativa do interlocutor. Estamos na era dos insights.

E vale tudo hein? Os caminhos para a fama através dos números são facilitados por bots, troca de likes, SDV, compra de contas para aumentar os seguidores e obter o tão sonhado engajamento. E o mercado, como bem sabemos, se adapta até as novas dinâmicas de alguns para fugir do fornecimento de dados a troco de nada. E novas áreas dentro das agências de publicidade surgem para atender e entender o comportamento dos indivíduos na internet: community managers, business intelligence, dark social e etc.

Segundo a pesquisa da Nielsen, o Brasil possui cerca de 500 mil criadores de conteúdo. O ganhar dinheiro na internet como influencer já é uma realidade enquanto profissão. O mercado entrou na dança, real! A rede social de arrumar emprego e construir relações profissionais, se tornou um show de experiências particulares e de pessoas autovalorizando seus trabalhos a partir das interações em postagens super compartilháveis, de fácil absorção e cheia de obviedades. Basta um selo L1nKed1n top voices para possivelmente materializar sua influência em um emprego. O documentário da HBO, com direção de Nick Bilton, Fake Famous: Uma Experiência Surreal Nas Redes, vem pra questionar se os influencers que possuem centenas de seguidores realmente construíram esse espaço de fama ou vivem apenas de autopromoção? Porque no fim das contas, o mercado que regula.

E se tem dinheiro, tem crime. O lado deep web da fama também opera na dinâmica "a ocasião faz o ladrão": oportunidades para crimes, como o golpista que fingia ser o herdeiro da Gol, a Falsa herdeira - Anna Sorokin, de Inventando Anna e até mesmo a Bling Ring - Gangue de adolescentes condenados por roubos a residências de famosos Beverly Hills, como a de Paris Hilton, Megan Fox e Lindsay Lohan.

E se tem crime, tem castigo. E em terra sem lei, a polícia da internet e o tribunal do Twitter estão prontos para aplicar o famoso cancelamento. A maior política punitiva para quem descumpre as regras da audiência. Mas o cancelamento funciona pra quem? E onde porque, mais uma vez voltando aos primórdios rs quanto custou a vida de OJ Simpson se em contrapartida tem gente fantasiado de Jeffrey Dahmer? Quais corpas estão mais passíveis de sofrerem as reais consequências da exposição? É assunto antigo, é. Mas mudou alguma coisa? Não! E mais uma vez, ser influente é bom, mas as contas estão pagas?

 

Além do que se vê



Anda um pouco difícil para os millennials, principalmente aqueles que não sabem fazer dancinhas no T1K-T0K [aliás, segue a gente lá? rs]. Porque a gente gosta muito de textão e quase não há mais espaço para se comunicar pra além da imagem. Toda essa dinâmica de exposição na internet pode desencadear consequências graves à saúde, como o aumento da ansiedade, depressão, distúrbios de imagem e estimular gatilhos para os neurodivergentes. Em 2019, o Instagram retirou a visualização de likes alegando que a competição por likes afetava a autoestima, na busca de aprovação. Pode-se dizer que hoje, talvez,  a construção de si tenha sido terceirizada, sempre a partir da perspectiva do outro. Um pacto projetivo de identificação que pode desaguar em reações coletivas de comportamento. A pandemia [sim, a pandemia kkkk] fez com que diversos papéis que o indivíduo é capaz de desempenhar fossem completamente afetados, principalmente a perspectiva de como o trabalho constrói o que somos. Terceirizamos a construção de nós mesmos a ponto de qualquer identificação não ser mera coincidência. Se você é, eu também.


Quando passar de um milhão a gente conversa, tá?!