Gabriela Campos︎




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"Uma imagem cura mais que mil palavras"

Loic Koutana por Gleeson Paulino
Fotografia: Gleeson Paulino
Styling: Marcell Maia
Beleza: Mika Safro
Produção: Raphael Lobato Mirror.age
Assistente de fotografia: Theo Casadei
Tratamento de imagem: Nicolas Leite
Produção de moda: Carolina Albuquerque
Assistente de styling: Pepa
Assistente de beleza: Natalia Almeida
Loic Koutana veste Clara Watanabe y Leandro Castro

Papo reto não faz curva


 

A moda tá sem graça ou a gente se acostumou com o barulho?


Tivemos uma década de muitos ruídos: informações desencontradas, declarações polêmicas, manifestações legítimas e também antidemocráticas. A sonoridade foi o que ditou explicitamente as interlocuções ambientadas em espaços onde o GRITO foi permitido [ou tentado aos extremos]: desde jingles de campanha política até audios com vozes do além e informações direto da fonte juro por deus kk. 2013 e muita gente foi pra rua pra gritar que não era só por 0,20 centavos [mal a gente sabia que 0,20 centavos era uma faísca necessária pra embrazar o caráter conservador do brasileiro]. 2018 muita gente foi gritar "Ele Não". 2020 a gente foi gritar que VIDAS NEGRAS IMPORTAM enquanto uma voz sufocada foi o rompante necessário para que o barulho abafado ao longo dos séculos se amplificasse. O delírio de uma possível intervenção militar, aumentou o volume de barulhos estridentes da força antidemocrática e reacionária autorregistrada.

Muita gente querendo falar. Um falatório gigante onde as vozes se sobrepõem, se dividem e, nos seus espaços, se multiplicam. E como se fazer ouvido nesse mar sonoro de proposições muitas vezes infundadas? Ou se fundamentadas, mesmo que inconscientemente, através de que artifício proporcionamos que sejamos lidos e de, certa forma, traduzidos ao alcance das referências?



O PÚBLICO TEM QUE VIR COMIGO




Acho que mais explicitamente a gente lembra da década de 60 quando o combo Guerra do Vietnã + Movimento pelos Direitos Civis + Ditadura Militar no BR + Sol das independências africanas e da América Central, despertaram muitas narrativas e movimentos ligados à expressão criativa como arma de uma possível "contracultura". Essas proposições políticas encontraram como resistência o poderio articulado por meio de centrais de inteligência que, em geral manifestavam-se através de repressão policial validada por meio de decretos do Estado e respaldados pelo apoio popular. Tudo no sigilo.

O florescer do reggae, a miscelânea da folk music, a "black music" americana e todas aquelas vertentes do continente africano da década e seu ícones [pique Fela Kuti, Cézaria Évora e Alpha Blondy] somados ao passar de baquetas de mãos negras para as marcações "quadradas" do rock embranquecido, encontraram outro caminho nos sentidos humanos: ritmos e poesia [calma, ainda não é o rap rs]. Por consequência, essas sonoridades também traziam movimentações simbólicas que facilitaram imediata identificação ideológica, pois nas ruas a identificação visual auxiliava no desenvolvimento de nichos representativos e de pertencimento [hippies e todas aquelas cof "tribos urbanas" cof - tipo, tinham vaaaarias mas Black is Beautiful - mesmo não sendo apenas isso e aquilo - tem real meu coração - acredito que de muita gente - em muitos aspectos].

O início da década em questão, que foi muito determinada pela complexidades sonoras através de instrumentos que muitas vezes tornavam a música para poucos, foi se tornando mais elementar ao passo que piano, violão e metais eram a construção fundamental para arranjos e líricas pique Nina Simone com um microfone e um piano como linha principal no The Harlem Cultural Festival <3.



FALA MIRAM, CADÊ TUA VOZ?




Na década seguinte, pautado por muitos movimentos consolidados nos anos anteriores, tinha muita identificação ideológica complexa acompanhando a necessidade de uma mensagem direta sem maiores interlocutores. Nóis por nóis, sabe? E aí o início do que a gente conhece hoje pelo movimento Hip Hop [love of my life, u are my friend - ja cantava Erykah Badu] e que na verdade já até expirou o título de "movimento" pra consolidação de um uma estrutura política, social e de alternativa econômica em posição de ativo construtor de comunidade [mas isso é papo pra uma matuta, não? vem aí kkk] - dá pra esquecer do punk? Dá pra esquecer do soul? [meu sonho ir no Soul Train kkk] A indumentária que acompanhou os cabelos que se fizeram permitidos, as cores complementares em contraste e tudo gritava em alto & bom som.

As simbologias comuns, não se sabe marcadas pelo zeitgeist ou se massificadas pelo que apontava, sutilmente, vir a ser a globalização aka apropriação, proporcionaram a difusão dessa dinâmica comum entre diversos grupos e hemisférios: a moda muito alinhada com a voz, com a musicalidade, com a rítmica e perspectivas entre alinhavos, modelagens e cores que deram forma e função. [tem como passar por aqui sem falar de Vivienne Westwood e Dapper Dan?]. Mas até então o barulho, o exagero [bom sentido] era artifício que explodia. 

Quero falar um pouquinho sobre as dinâmicas malucas de moda e música dos últimos 30 anos de uma maneira bem direta: tem pra todos. Mas porque o lado reacionário não tem música que nasce a partir de suas ideologias?

Tudo que é possivelmente lido como reacionário é apropriado e não nasceu DE JEITO NENHUM por seus apoiadores mas sim a partir mecânica neocolonial de destruição em massa rs [sertanejo não nasceu pra ser coisa da direita, samba não nasceu pra ser bossa nova, spiritual não nasceu pra ser hino de louvor] e é impressionante que onde eles colocam a mão tudo se acaba [ai ai, sdds rock] kkk 

Eu lembro direitinho quando o sertanejo virou universitário: 2007. A pasteurização que já tinha rolado com o samba/pagode nos anos anteriores, atingiu essa vertente que nasceu laaaaa atrás com Cornélio Pires, em 1929. Era música de quem vivenciava as dinâmicas caipiras nos interiores e se transformou em apresentações artísticas um tanto quanto teatrais que pediam, claro, determinado figurino [é sério gente, assiste o Rei do Gado]. O embranquecimento das narrativas não escapou de nenhum gênero no Brasil e no mundo [e embranquecimento não é necessariamente ter brancos cantando - Beastie Boys & Mac Miller no rap não querem dizer absolutamente nada, assim como DJ Malboro no funk - até mesmo a Madonna - eu queria o sutiã do Gaultier - no pop - porém depende rs].



CALA A BOCA MININA, DEIXA DE SER FALSAAAA



A partir daqui, tratar as mudanças criativas em décadas já não faz mais sentido. Até porque o consumo de dados e difusão dessas estruturas criativas é imensuravelmente maior do que já foi um dia. E então chegando nos atuais cenários políticos e sociais que visavam limitar a participação das vozes dissidentes, porque não CALAR? Porque não aderir ao simples ato de silenciar?

Acho que nada tem sido mais emblemático do que o silêncio ensurdecedor do Bolsy. Mas esse movimento pelo silêncio tem rolado há alguns anos. Dentre as terapias "alternativas" do wellneoliberalismo, o crescimento pelo silêncio tem rolado a ponto de se tornar uma parte do dia de trabalho enquanto parte da rotina de alguns espaços [assim como aquele pai nosso que a gente tinha que rezar na escola pública]. Em 2017, o The New York Times publicou o artigo “In Search of Silence”. Steven Kurutz, o autor, diz que a busca das pessoas na verdade não é sobre o desejo de escapar de sons altos ou conversas irritantes, mas de distrações sem fim [olha o detox digital rs]. Em contrapartida, essa tática meio Guerra Fria, que consiste no ato de ignorar as conversas, ignorar pedidos, ordens, leis, decretos, a polícia, o resultado das urnas diz muito sobre o que escolhemos ouvir: o sliêncio também nos faz ouvir coisas que não existem. O "quiet quitting", por exemplo, pode ser difundido como um possível empoderamento do trabalhador e cria um discurso ambíguo, onde só se escuta o que quer. E esses fatores podem facilitar ser o movimento que justifique novas comunidades que tem o silêncio como premissa: uma gentrificação silenciosa, como a que, por exemplo, é documentada nas séries Harlem e She's gotta have it e também no último artigo de Uilla & Yano, onde o ímpeto de fazer do Rio uma Paris foi a tentativa de colocar o samba no mute.



NÃO FALA NADA, MUDA




Não sei se vocês acompanharam nas últimas semanas o início da temporada "masculina" de moda, mas vocês perceberam que até a Gucci tava um pouquinho diferente em vista ao que vimos anteriormente? Digo, não silenciosa, calada, muda mas digo comedida escolhendo muito bem suas "palavras" entre modelagens, tecidos e cores: tudo que tem que ser dito, dito diretamente sem floreios e maiores sobreposições, afinal as coisas são como realmente são. Efeitos acolchoados, rusgas, tricôs cantam indícios de sensorialidade entre aparentes sobriedades e, em leituras superficiais, minimalistas como fez a Botter, por exemplo.

A matiz das cores parecia muito próxima e a saturação não tava mais tão presente, mesmo que a identidade empregada das marcas não fora desconsiderada: seja através de monogramas ou no styling, ou até mesmo pela musicalidade: lembram da Rosalía tocando "sento no bico da Glock"? Ou quando a Mugler lançou aquela sequência de fashion films incríveis ano passado e tocou um proibidão do Gabriel do Borel? A expressão ainda encontra a via sensorial do som para estabelecer essas conversas.

As conversas barulhentas na moda absorveram, por um bom tempo, a tendência dos álbuns e EPs: de fácil absorção, com canções curtas e lançados esporadicamente sem muita intenção tornar suas produções pontos sólidos ao passo de sedimentar conversas geracionais. O negócio era causar: e vamos de Balenciaga tentando ser United Colors of Benetton e falhando miseravelmente [ou não né?] kk.

Essa linguagem também se rendeu a tiktokização de hits clássicos dos anos 2000, porque musicalmente a inserção de elementos tecnológicos, distorções sonoras, o novos formatos pro 4x4 e/ou 808, o aumento dos bpms, a adição de uma milhão de camadas a musicalidades já conhecidas - até o axé que já tinha suas coreografias bem estabelecidas foram substituídas por tubarão te amo. O importante aqui é espalhar: se é bom ou se ofende 84 minorias? a gente vê depois.

E nesse jogo de possibilidades, para alguns, estaríamos enxergando a higienização das conversas sobre moda, de uma limitação criativa que às vezes é relacionada às dinâmicas do norte global. Mas e se eu te contar que existe "minimalismo" [será que eu quero mesmo chamar isso de minimalismo?] para além da Saint Laurent? Designers no globo como um todo, inclusive espalhados aqui no lado sul do mundo fazem uso de algumas dessas linguagens partindo de um outro ponto de vista, mas que de alguma forma convergem nas encruzilhadas da vida. Em entrevista ao Folklore edit, o ganês Obeng-Casper, designer da Abajeng, divaga sobre como o minimalismo é bem mais do que colocar preto e branco em tudo e fala muito mais sobre a possibilidade dos olhares percorrem todos os espaços e focar no que realmente importa. E conheçam Abe Ogunlende na arte. Também conheçam Karoline Vitto - é do BR!! Sem esquecer da designer e influencer Keneilwe Mothoa. Tosin Oshinowo enquanto designer de produto, entre outros.

Até aqui parece que nossos sentidos visuais acompanham Nina Simone e seu piano, o rap com seu toca discos e um mic e as bandas de bateria, guitarra e vocal. Vamo falar do que interessa? O restante sim, fica no silêncio - já existem espaços com medo de que ruídos desnecessários atrapalhem a paz terrível de quem vive. Já percebeu que depois da eleição do Lula, a gente tá mais de olho no trabalho e realizações do governo do que maratonando a TV Senado com medo de mais um artigo dos direitos humanos seja cancelado?


E assim, estaria a moda voltando às origens pronta pra estabelecer conversas naquilo que não é dito? Fale somente o necessário, afinal: papo reto não faz curva.