Sociedade


Os guerreiros se preparam, porque no céu não entra pecado.





os 22 primeiros anos do século 21 foram marcados por ondas de reação a debates políticos, históricos e culturais que buscavam ampliar a participação de experiências não-masculinas, não-brancas, não-cisgênero, não-heterossexual y não-cristão. uma contraposição desenhada por meio da defesa da família nuclear, patriotismo, autoritarismo, conservadorismo y negacionismo. o intervalo entre nós y Lacraia, por exemplo, não é marcada apenas pela ascensão  e influência do Partido dos Trabalhadores na presidência brasileira, como também pela alteração na maneira de entendermos a plenitude e a violência.

Este texto é para falar de bolsonarismos e começa assim porque seu desenvolvimento não se resume a contrapor o lulismo. de qual modo viveria e trabalharia Lacraia hoje?


o fenômeno da extrema-direita se regula como operação pró-colonial y contribui para retrocessos nos campos subjetivos e sociais, elaborando uma imagem de combate às propostas anti-coloniais emergentes neste período. evidentemente seu maior referencial é o ex presidente J@iiir MeS5i4S, a partir de 2018. repetiu-se um cenário frequente na história brazileira, onde uma figura política se responsabiliza pela correção de um modo ‘velho e antiquado' y, corrigindo, assim, também o Brasil. foi assim com Pedro I y II, Marechal Deodoro, Getúlio Vargas, Collor, ou mesmo com Lula. Sempre um intento de reinício brasileiro com promessa vívida de sucesso.


na ascensão deste fenômeno há uma particularidade importante: a substituição representativa disputava esse espaço por meio y a partir da saída de uma mulher da presidência, Dilma Rousseff, deposta com impeachment em 2016. o retrocesso se apresentou em texto y imagem, firmando uma postura neofascista, antifeminista y protestantista. não à toa, seu caráter populista se fundamenta como ferramenta de ascensão e massificação de um discurso de ódio integrado a indignação y operado pela disputa de narrativa, e engajamento na era digital. construída através da polarização do discurso, como, por exemplo,  o discurso de posse, em 2019, onde essas características  foram fincadas com as promessas de ‘união do povo, valorização da família e da tradição judaico-cristã, combate à ideologia de gênero’ com o fim de construir uma hierarquia entre tudo e todos, onde o Brazzzzzzzzzzzzzzzzzil y YAHWEH (ou JAVÉ, nome hebraico do deus cristão) ocupariam a posição máxima. Sedimentando a articulação conservadora em progresso desde os anos 60.


a estrutura filosófica da proposta bolsonarista se baseou demasiadamente na figura de Olavo de Carvalho que propunha uma guerra cultural a fim de atingir substancialmente a imagem e desdobramentos do Marxismo Cultural. repete-se também um outro quadro, agora mundial: a fé numa conspiração contra a cultura ocidental se populariza e se solidifica. é por essa vertente, de intervenção cultural y imagética, que o bolsonarismo construiu boa parte de seu discurso, como evidencia a existência de canais de comunicação (podcasts, canais no YT e afins) dedicados a isso. os ataques à figura do educador Paulo Freire, alvo direto de ódio e injúria em diversas falas, está relacionada exatamente a este tipo de combate cultural defendidoy justificado pelas defesas freirianas da crítica e democratização cultural. numa palestra no Espírito Santo em 2018, durante a campanha eleitoral, o ex-presidente prometeu ‘entrar com um lança-chamas no MEC e tirar Paulo Freire lá de dentro’.

o intervalo entre 2019 e 2022, período no qual a presidência e debates políticos-culturais no Brasil muito se valeram das imagens aqui relatadas, foi intensamente marcado por movimentos de execução dos planos que expandiu o bolsonarismo de um pequeno nicho à quase um modo nacional de se pensar, assim como de readequações e sobrevivência por parte de seus alvos. me refiro aos diversos grupos não inclusos no plano de futuro deste tipo de governo, onde, de algum modo, a posição anti-ideológica se vale substancialmente da maturação de uma ideologia supostamente neutra. supostamente natural, tão natural que não é discutível, está acima de tudo e todos. e sim, já vemos isso ocorrer com a ocidentalização como marca contínua e execrável do processo colonial inaugurado no século 15. ocorre que a postura não-ideológica se sustenta pela compreensão que seu discurso e modos de percepção são já tão bem formulados y acabados que não merecem revisão. a certeza absoluta é, de longe, um dos males mais absolutos do bolsonarismo.


agora em 2023, apenas com 27 dias y em curso, com o fim da representação política bolsonarista no governo (o que não significa seu fim na maneira de se pensar vida e pessoas no Brasil) a invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília - Palácio do Planalto (Executivo), o Congresso Nacional (Legislativo) e o Supremo Tribunal Federal (Judiciário), realizada pelos defensores da causa bolsonarista, indicam não apenas a capacidade de promessas de expulsões, invasões e quebras serem concretizadas, mas também o meio pelo qual este tipo de intenção atua. nitidamente há uma referenciação à invasão ao Congresso dos EUA em janeiro de 2021 e sem dúvida parece que a esperança esteve relacionada a uma promessa de conseguir TOMAR O PODER e continuar com o plano em curso dos últimos 4 anos. outro exemplo da suprema e inquestionável neutralidade desta ideologia ideológica.


um dos fatores mais icônicos da invasão em Brasília diz respeito ao ataque específico direcionado às imagens encontradas no Planalto, Congresso e Tribunal (em sua maioria pinturas, esculturas e fotografias). os prejuízos causados pelas destruições, somando os aparelhos eletrônicos também atingidos nos ataques, já somam $$$3 milhões de reais. pela diversidade de linguagens e temáticas presente nas obras atingidas não parece ter havido algum critério destrutivo, isto é, não é possível identificar um discurso iconoclasta específico, ou ele se baseia em ser genérico, ou, como preferem, não-ideológico. Numa mesma toada foram atingidas obras como a pintura à óleo ‘Mulheres na varanda’ ($$$$$$$$8 milhões) de Di Cavalcanti, perfurada e rasgada em vários pontos; a escultura ‘O flautista’ ($250 mil) de Bruno Giorgi, totalmente destruída; a escultura de madeira ‘Galhos e Sombras’ ($300 mil) Frans Krajcberg; a escultura de granito ‘A Justiça’ de Alfredo Ceschiatti, entre tantas outras. Mesmo uma pintura da bandeira do Brasil, de Jorge Eduardo, que foi um símbolo bolsonarista frequentemente reivindicado, foi encontrada boiando na água vazada dos hidrantes também quebrados no local. critério não houve, parece, porque, parece, que o maior critério era o estabelecimento de uma outra imagem, maior e acima de todas estas, a do comando bolsonarista.


estamos diante de uma postura iconoclasta? Não me refiro à aversão às imagens religiosas de onde o termo surge e é frequentemente relacionado. Me refiro à aversão às imagens como metodologia de observação, intervenção e discurso político-imagético-cultural. da ordem dos debates sobre monumentos públicos, por exemplo, obviamente se trata de eventos, métodos e discursos distintos, entretanto que se equivalem quando a perspectiva é a destruição/criação de imagens.do que se trata esse comportamento contemporâneo?


no fim talvez seja sobre como o esse discurso se põe em prática, da promessa ao ato, armados em nome da fé, os mesmos que condenam a Jihad/guerra santa - por não ser cristã. esse posicionamento contraria a lógica do capital individualista, há um consenso comunitário em gerar o mal-estar a partir de posicionamento e discurso extremista, seguindo a estrutura imagética do homem/deus a ser ditador ético/moral, é com esse insumo que a mentalidade dessa filosofia se nutre, o representante dos indignados. alimentados por meios de comunicação próprios que estimulam   uma veracidade de fatos paralela, vista por diversas comemorações a notícias que nunca aconteceram. mas, que jogam na disputa discursiva assuntos dos quais pretendem defender e viabilizar. utilizando a dinâmica oral dos pregadores, consolidada pela autoajuda cristã na conquista sob os inimigos.se em algum momento Paulo Freire foi alvo de desejo de expulsão da estrutura institucional brasileira, seus desdobramentos práticos desistiram de expulsar e optou destruir.


*as letras minusculas neste artigo,  é uma estética proposital.